Do fim do vestibular.

24 maio

por SQ.

O que fazem dos jovens nesse sistema bizarro de ensino? Arrancam-lhes os anos púberes de adolescência livre. Em troca? Um ingresso numa faculdade de renome; uma ascensão profissional pragmática; segurança para um futuro estável e claro, o sorriso orgulhoso dos pais e avôs conservadores, viúvos da ditadura militar.
leia na íntegra.

Que o Brasil precisa de uma reforma no sistema de ensino ninguém duvida. A maioria dos políticos admite a necessidade urgente de uma revolução na educação. Entretanto, pouco, ou nada, foi feito até agora nessa direção. Ainda cantamos “Química” da mesma maneira que Renato Russo cantava no Aborto Elétrico.

O vestibulando é incongruente. Ele estuda fórmulas avançadas de química para se tornar um relações públicas; decora datas de uma historiagrafia fajuta para ser um dentista; resolve problemas gigantescos nas olimpíadas de matemática para ser designer em moda; decora os nomes das personagens dos romances tédios-obrigatórios para ser um bom engenheiro; estuda com afinco a variedade de protozoários e bactérias para ser um cineasta.

O vestibulando sabe um pouco de tudo, e sabe tudo de pouco. Ele esquece a maioria do conhecimento que lhe foi imposto autoritariamente depois de passar no vestibular. E é natural que esqueça. Esquece porque não lhe é mais útil, e provavelmente nunca mais vai ser.

É claro que o vestibular não faz sentido. É absurdo. É necessária a consciência do mesmo para preparar a sua revolta. Camus nunca descansa aqui. Mas não é pra falar dos subversivos, dos revoltados conscientes, solitários com seus boletins orgulhosamente vermelhos que escrevo hoje.

Eu quero mesmo é escrever sobre o vestibulando que segue a risca as regras desse jogo. Tomo o cuidado para não confundir e errar o alvo. Se eu caricaturo o vestibulando é na intenção de criticar o sistema que o educa.

Eu gostava de reparar nos cdfs da minha classe. Eles eram tão comportadinhos e dedicados. Levavam gravadores na sala de aula e copiavam tudo o que o professor dizia, até as piadinhas sem graça, típicas de um pedagogo carente com síndrome de Peter-Pan. Ah, como era prazeroso ver suas caras de choro quando algum porra-louca tirava uma nota maior!

O vestibulando comportado não tem tempo para nada, exceto os estudos. Ele “precisa estudar” e vive alienado da sua própria juventude. Não tem tempo para os relacionamentos, muito menos para os sexuais; sabe tudo de anatomia, mas não conhece o próprio corpo. Se perguntado o que é diversão ele responderá apenas etimologicamente. Diversão, no sentido real da palavra, ele só conhecerá quando entrar na faculdade. Aí vamos.

Diversão. Pintar a cara, cortar cabelos e sobrancelhas. Jogar farinha e ovos na cabeça. Depois ser obrigado a esmolar dinheiro no sinal para pagar as cervejas dos veteranos. Chega a primeira festa do bixo. O primeiro baseado, a primeira bebedeira. Vômitos, desmaios, glicose na veia e até parada cardíaca em alguns casos especiais. Quem não conhece uma história de algum conhecido (de algum conhecido) que morreu em alguma festinha universitária?… Quase vintões tão maduros e experientes quanto pré-adolescentes.

É evidente que isso é uma resposta, uma liberação, uma explosão de algo que foi reprimido, contido, sufocado. Eles estão livres, enfim. Tamanha liberdade às vezes não é encarada da forma mais pacífica. Depois das primeiras experiências, eles percebem que perderam muito tempo na vida somente para passar no vestibular. Vem a consciência aliada à raiva.

E aí a gente se pergunta por que os “trotes” são tão violentos. Ora, os veteranos enxergam nos bixos o que eles mesmos eram. Sentem arrependimento, desprezo e repúdio. Querem atentar contra o sistema de ensino (aí também começa a fase Che-Guevara universitário – mas esse é tema pra outro post) flagelando os recém-chegados que representam esse sistema. Os bixos depois terão a chance de explodir sua raiva nos iniciados do próximo ano. E assim a roda gira.

Há uma preocupação em fazer um processo de seleção cada vez mais justo. Escolher os mais inteligentes e “dedicados” para ocupar as vagas preciosas. Não tenho dúvida que esse sistema é objetivo e dá resultados estatísticos. Por outro lado, como ficam os alunos?

Formar jovens castrados intelectualmente, metodologicamente iguais, fracos em disposição criativa e inovadora. É isso que “o mercado” quer? Óbvio que não. O mundo cada vez mais inovador está dando menos valor aos diplomas quadrados. Na contra-mao, os favorecidos acabam sendo os autodidatas, pessoas criativas, ousadas e autoconfiantes.

Chegamos à questão final. O sistema de ensino chamado vestibular joga os alunos no caldeirão quente que forma uma massa uniforme. A virtude do “anti-vestibulando” estaria na rebeldia de ser um ingrediente imiscível?

A – Não.
B – Sim.
C – Talvez.
D – Nenhuma das alternativas acima.

10 Respostas to “Do fim do vestibular.”

  1. Serginho 24 de maio de 2010 às 16:16 #

    Bravo!
    Que artigo valioso, me arrepiei a cada estrofre lida.
    Meu Parabéns.
    Trabalho bravíssimo, meu amigo.

    =)

  2. Conrado 24 de maio de 2010 às 21:45 #

    depois de terminar a faculdade vai bater a crise, se não tiver um emprego bacana, uma vida estável. Existe uma pequena diferença entre o cara que se forma numa universidade federal e aquele que se forma numa particular para entrevistas de emprego. às vezes é preciso perder um tempinho de vida para garantir um futuro estável, o risco é virar o caretão rico e frustrado por nao ter aproveitado a vida. e o pior é tentar correr atrás do tempo perdido.

  3. pedro 25 de maio de 2010 às 9:58 #

    Qual a diferença da “fase Che-Guevara universitario” para a critica da reforma universitaria que segundo o texto “a maioria dos politicos admite a necessidade urgente de uma revolução na educação”?? Seria uma reforma de carater liberal?! e é nesse sentido que se propoe uma reflexão acerca da falencia do sistema educacional brasileiro?? continue estudando e escrevendo!!

  4. espirrodabrisa 25 de maio de 2010 às 20:26 #

    Cara… que que o Camus tá fazendo aí no meio desse balaio de gato?

    Mais uma vez sua crítica só faz sentido pra quem já concorda com você, já que a “crítica” é feita basicamente ao modus vivendi “universitário”.

  5. Douglas 26 de maio de 2010 às 17:49 #

    Esse artigo me lembrou algo que lí ha um tempo sobre a maneira exagerada e de certa forma abusiva que os jovens japoneses estudam com medo de não passar em uma boa univbersidade e ‘desonrar’ os pais. Se eu não me engano havia tambem no artigo uma pesquisa citando tentativas de suicidio de certos alunos devido a isso.

  6. lucas 27 de maio de 2010 às 20:38 #

    Nossa.. concordo plenemente.. o Brasil deveria começar a seguir o exemplo dos países mais deselvolvidos..

  7. ignorante 28 de maio de 2010 às 13:26 #

    Não!!!! .. vamos seguir o exemplo dos paises subdesenvolvidos como angola, ruanda, haiti, peru, indonesia .. quem sabe não é esse o caminho!!!

  8. Cheap n' Cheerful 4 de junho de 2010 às 17:09 #

    Foooda o texto, só discordo da generalização quanto aos cdf’s, eu era cdf e zoava horrores, fazia provas bebados, encrencava com professores, contestava suas idéias, pintava as paredes com frases obscenas inspirado em Bukowski e filmes safados, e colava as partes mais horrendas de Sandman pelas paredes. Só por isso discordo da generalização.

  9. doido 5 de junho de 2010 às 10:53 #

    É claro que este modelo injusto de educação deve mudar, iniciando pelas bases logo no primeiro ano da criança… mais o Brasil é formado por elites que governam e sempre vão governar que dá preferencia a burguesia no ingresso da faculdade, pois todos nos sabemos que se vc não estudar em um escola particular não vai passar na universidade pública, que sim, conta muito para seu curriculo. Talves agora o mesmos engravatados estão pensando nisto,e tentando mudar, incluindo um vestibular unificado(Enem), prouni, bolsas… e é ai que começa o rolo denovo, a má distribuição das mesma a favor da classe média, que deveria ser aos pobres. Para mim não deveria nem existir vestibular…

  10. indie revoltado 21 de janeiro de 2011 às 8:19 #

    Não passou champs

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